Doha, Catar
As fotos estilosas sumiram no Instagram.
Na rede social predileta, as imagens recebentes são só de treinamento ou comemorando gols alheios, com uniforme de reserva.
Sabe que, se dependesse da opinião da maioria dos jornalistas brasileiros que cobrem a Copa, não mereceria estar no grupo. Nem como reserva.
O lance que se sobressaiu aqui em Doha foi quando deu uma entrada violenta no tornozelo de Pedro. A situação aconteceu porque ele chegou atrasado. ‘Perdeu o tempo’ da bola e acertou o atacante do Flamengo.
Aliás, Tite também o deixou de fora quando Danilo, o titular da posição, se contundiu. Preferiu, em uma partida que valia a classificação, improvisar o zagueiro Militão.
Mas Daniel Alves seguiu treinando forte e, principalmente, calado. Resignado. Sabia que se fosse qualquer outro treinador, não teria vindo ao Catar.
Aos 39 anos e sete meses vive a pior fase de sua extraordinária carreira. São incríveis 42 títulos no futebol de elite mundial. Mas depois de Bahia, Sevilla, Barcelona, Juventus, Paris Saint-Germain, São Paulo, Barcelona (de novo) e Pumas, o tempo finalmente conseguiu acabar com sua síndrome de Peter Pan.
Daniel também envelheceu. Perdeu a explosão muscular a velocidade, a firmeza na marcação. O apoio talentoso, técnico, capaz de infiltrações, cruzamentos e arremates surpreendentes.
No fraco futebol mexicano acabou humilhado, xingado pela própria torcida do Pumas este ano, pelo péssimo rendimento.
O time não conseguiu chegar ao play-off do Campeonato Mexicano. Eliminado precocemente, Daniel Alves está há dois meses sem entrar em campo. Treinava no Barcelona B, por conta de sua história no clube.
E ele será titular novamente da Seleção Brasileira nesta sexta-feira, no time de reservas que Tite decidiu escalar contra Camarões.
Com Danilo, Neymar e Alex Sandro contundidos, neste intenso Mundial fisicamente, Daniel Alves jogará porque não é essencial, caso se machuque, não fará falta ao time titular que começará sua trajetória nas partidas eliminatórias nesta Copa do Catar, com as oitavas.
Daniel Alves fez questão de evitar os jornalistas. Após os jogos contra Sérvia e Suíça, todos os jogadores, com exceção dos melhores em campo, passaram pela zona mista, que é um corredor onde ficam jornalistas do mundo todo para entrevistar os atletas da Seleção. Ele sempre foi participativo, atraía dezenas de braços esticados com celulares na função gravador.
Mas desta vez, não.
Sabe o quanto foi e é questionado. Passou pelos corredores da mesma forma. Com olhar raivoso, fixo para a frente, fingindo não ouvir os chamados dos repórteres. Não quis falar com aqueles que não queriam que Tite o chamasse pelo passado. E reconhecesse o presente fraco do jogador, fosse coerente com suas promessas de ‘sempre convocar’ os atletas que estivessem na sua melhor fase.
Nos poucos treinos que foram possíveis observar, Daniel Alves se entregou ao máximo. Trocando passes, lançando, tabelando, chutando. Não tem o vigor do seu auge no Barcelona, há 12 anos. Mas segue sendo um atleta muito técnico.
Na reserva é difícil exercer a liderança que sua personalidade permite. Já ficou para trás. Thiago Silva e Casemiro exercem o papel que lhe pertenceu.
Mas Daniel Alves segue sendo o jogador que Neymar mais ouve e respeita no elenco. Tite sabia desse ‘efeito colateral’ ao convocá-lo. Parecia adivinhar, já que com o tornozelo inchado, o principal jogador brasileiro já perdeu duas partidas e nem sabe se voltará a disputar a Copa. E no lateral que se apoia psicologicamente.
Daniel Alves fez de tudo para chegar neste Mundial. Até mesmo virar as costas à posição de lateral e se firmar no meio-campo, por ser muito menos desgastante fisicamente. Fez isso com o São Paulo e Pumas, clubes que aceitaram a imposição só para contratá-lo. Mesmo ele sendo um meio-campista comum, limitado.
Mas ele conseguiu, depois da frustração de 2018, quando teve de operar o joelho direito às vésperas da Copa.
Estará em campo contra Camarões.
Tite homenageia toda a trajetória de Daniel Alves. Porque nas oitavas, se Danilo não puder jogar, Militão ocupará a lateral, improisado. Será assim até o final da participação do Brasil na Copa. Com Daniel Alves na reserva da reserva.
Não é uma situação agradável, mas o jogador ainda segue no lucro. Pelo futebol atual não mereceria ser convocado.
Terá o privilégio de ser o jogador brasileiro mais velho da história a entrar em campo em uma Copa do Mundo, com 39 anos e sete meses. O que é uma façanha. Vai tomar o posto de Thiago Silva, que tem 38 anos e já jogou contra a Sérvia e Suíça.
E, provavelmente, com a tarja de capitão no braço esquerdo. Porque não há como contestar a sua liderança entre os reservas do Brasil, com 16 novatos em Copa do Mundo.
Mas as façanhas de Daniel Alves nesta Copa do Catar vão se limitar ao confronto com Camarões. E, se vier, a faixa de capitão neste jogo.
E depois voltará aos treinos, às conversas com Neymar.
Ele é o maior vitorioso do futebol mundial.
E merece todo respeito e homenagens.
Mas a intensidade, o vigor físico, o ar seco, o calor do Catar não disfarçam que seu lugar na Seleção é no banco de reservas.
E Daniel Alves sabe disso.
Por isso está pronto para desfrutar, como ninguém, a partida contra Camarões.
Que deve ser a última como titular da Seleção…