Cinco dias após adiar a votação do projeto de lei (PL) que proíbe celulares em escolas públicas e privadas por falta de quórum, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou o PL em votação simbólica.
Agora, ele será encaminhado ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que deve sancioná-lo e fazê-lo valer como lei a partir de 2025. A proposta é da deputada Marina Helou (Rede) e 40 outros parlamentares são coautores. Políticos de partidos, como PL e PSOL, são a favor do projeto.
E não são só os smartphones que serão proibidos nos ambientes escolares. Tablets e smartwatches também estão na lista de itens que deverão ser deixados em casa pelos alunos. São Paulo é o primeiro estado brasileiro a vetar os aparelhos eletrônicos na aula e nos intervalos. O Rio de Janeiro (RJ) foi o primeiro município a proibi-los, em fevereiro deste ano.
Enquanto os alunos da educação básica estiverem na escola, não poderão utilizar seus celulares, incluindo intervalo das aulas, aulas e atividades extracurriculares. O texto diz ainda que as escolas precisarão criar meios de armazenar os dispositivos “de forma segura, sem a possibilidade de acessá-los durante o período de aulas”.
Aí vem a pergunta: como os pais e responsáveis poderão se comunicar com as crianças e adolescentes? O projeto exige que a escola crie “canais acessíveis para a comunicação entre pais, responsáveis e a instituição de ensino”.
O que diz a lei paulista que proíbe celulares em escolas?
A seguir, confira os principais pontos do projeto paulista:
- Proíbe os celulares nas escolas públicas e privadas em toda a educação básica;
- A proibição se aplica a todo o período de permanência dos alunos na escola, inclusive nos intervalos entre aulas, recreios e eventuais atividades extracurriculares;
- Escolas deverão criar soluções de armazenamento desses aparelhos, que não poderão ser acessadas pelos alunos;
- Escolas devem ter canais acessíveis para a comunicação entre pais, responsáveis e a instituição; de ensino
- Estudantes que optarem por levar seus celulares para as escolas deverão deixá-los armazenados e assumem a responsabilidade por eventual extravio ou dano;
- Celular poderá ser usado quando houver necessidade pedagógica ou por alunos com deficiência que requerem auxílios tecnológicos específicos.
Temos certeza de que, a médio prazo, o impacto será bastante significativo na saúde mental e também na redução das desigualdades, já que as escolas de elite estão proibindo o uso do celular, dando aos alunos tempo para o desenvolvimento, e as públicas, não.
A parceria com a Secretaria da Educação vai ser fundamental nessa implementação, tanto na formação, como no apoio. Vemos com clareza que, entre os professores e diretores, mais de 95% apoiam a proibição, e prevemos uma implementação com muito suporte. A ideia é tirar do professor essa responsabilidade [de fiscalização].
Marina Helou (Rede), deputada estadual de São Paulo
Projeto nacional
A proposta de São Paulo é baseada no projeto de caráter nacional. Tudo começou em setembro, quando o ministro da Educação, Camilo Santana, prometeu trabalhar um projeto de lei (PL) sancionando a proibição dos celulares nas escolas em todo o Brasil.
O Ministério da Educação (MEC) acabou apoiando um PL já em tramitação na Câmara dos Deputados. Na quarta-feira (30), ele foi aprovado na Comissão de Educação e enviado para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Na sequência, ele será enviado ao Senado.
O governo federal também estima que a proposta nacional entre em vigor em 2025, assim como a do Estado de São Paulo. Vale dizer ainda que uma lei nacional só fortaleceria a estadual e elas não são conflitantes, mas complementares.
Segundo a proposta, os dispositivos serão permitidos apenas para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, conforme orientação do professor e por questões de acessibilidade, inclusão e saúde.
O projeto, de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), tramita na Câmara desde 2015. A proposta prevê a proibição do uso de celular dentro da sala de aula, no recreio e também nos intervalos para todas as etapas da educação básica.
O objetivo é proteger crianças e adolescentes de “possíveis abusos” relacionados ao uso excessivo dos aparelhos. A proibição valerá para alunos do ensino infantil e anos iniciais do fundamental. Em contrapartida, o porte dos aparelhos eletrônicos no ambiente escolar será liberado para alunos dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio.
O texto também prevê que os estabelecimentos de ensino disponibilizarão espaços de escuta e acolhimento para receberem alunos ou funcionários que estejam em sofrimento psíquico e mental, principalmente decorrentes do uso imoderado de telas e nomofobia.
Esta condição é caracterizada pelo medo ou ansiedade causado pela falta de uso do celular e pode causar irritabilidade, falta de sono e dificuldades na escola e nas relações sociais.
Alguns estados já possuem regulamentação similar, mas que estão desatualizadas, pois, além de serem de 2007 e 2008, também enfrentaram dificuldade de serem implementados e por falta de embasamento à época.
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Pesquisas
Diferentemente das leis de quase 20 anos atrás, as propostas de agora possuem pesquisas nas quais se balizam. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) inclusive já sugeriu, em relatório publicado em julho, que as escolas banissem celulares.
Esse relatório analisou estudos que relacionam o uso dos aparelhos e resultados educacionais de 14 países. O órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que os efeitos são negativos, impactando especialmente na memória e na compreensão.
Outras pesquisas apontam que os alunos podem demorar até 20 minutos para recuperarem a concentração no que estavam aprendendo antes de utilizarem o celular para atividades sem relação ao estudo. Elas apontam ainda que, mesmo que o celular esteja desligado ou sendo usado por outro colega, pode levar a problemas de aprendizagem.
O Datafolha realizou pesquisa, divulgada em outubro, que mostra que 62% da população apoia banir os aparelhos das escolas. Ainda, 43% dos pais de crianças de até 12 anos que foram entrevistados afirmam que seus filhos já possuem celulares.
Já o Pisa 2022, principal método de avaliação da educação mundial, expôs que oito em cada dez alunos brasileiros de 15 anos afirmam se distrair com seus celulares nas aulas de matemática.
Ele também apontou que os alunos que não usam tanto seus dispositivos têm melhor desempenho nas tarefas escolares. Aqueles que passam até uma hora por dia no celular obtiveram 49 pontos a mais na matéria do que os que passam de cinco a sete horas. Além disso, cerca de 40% dos alunos brasileiros alegam perder a concentração quando colegas usam o aparelho.
Sobre a dificuldade de colocar a lei em prática e evitar que virem letra-morta, como as de alguns estados, a autora do PL aponta que esse é o “maior desafio”. “A lei vem apoiar esses professores que já sofrem com isso: eles podem dizer ‘só entra se deixar o celular fora’. Vamos criar cultura mais forte, espaço para o celular ser armazenado e orientação. A expectativa é de que isso se torne cada vez mais claro e comum e, para as próximas gerações, isso nem seja desafio”, explicou ao O Estado de S.Paulo.
Além disso, há dúvidas pontuadas por secretários de educação Brasil afora sobre qual será a punição empregada ao aluno que desobedecer à norma, bem como quem deverá ser responsabilizado pelos celulares guardados no caso de furto e sobre quem regulamentaria a lei em caso de aprovação federal.
Outros países já possuem lei similares
- O uso de celular já é proibido em 28% das escolas urbanas e rurais, segundo a pesquisa TIC Educação 2023, divulgada no começo de agosto pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil;
- Seis em cada dez escolas adotam algum tipo de regra relacionada ao celular, como, por exemplo, horários e locais específicos para usar o aparelho;
- Restrições também já são adotadas em países como Canadá, Estados Unidos, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, México, Portugal e Suíça.